D de Delícia, Dolcetto

Dolcetto D'Alba - Sandrone


Essa uva pequena, de coloração escura azul-preta, é a segunda casta tinta mais cultivada no Piemonte, depois da Barbera, a segunda casta mais cultivada em Langhe, depois do Nebbiolo, e a 14º casta tinta mais cultivada na Itália, antes do Nebbiolo. Cultivada em exposição e altitude proibidas para a Barbera e Nebbiolo, a Dolcetto dá forma ao vinho do cotidiano piemontês e seus registros datam o século 16. É uma uva difícil, não se adapta facilmente como a Barbera, é suscetível a doenças, é exigente durante a vinificação e seu rendimento é relativamente baixo em comparação com outras variedades.

Antes da ascensão do Barolo, era o vinho representativo da região Langhe e símbolo da tradição rural piemontesa, o Dolcetto era diluído no frasco que acompanhava o trabalho no campo. Quem comprava Dolcetto poderia esperar um presente hoje em dia impensável, uma garrafa de Barolo, que na época não despertava interesse, alguns dizem que recebiam até duas garrafas. Outro costume era de usá-la como uva de mesa na alimentação para desintoxicar o organismo e para fazer geléias.

E quem disse que o Dolcetto já não representa o Piemonte e Langa? De 2007 a 2022 houve uma diminuição pela metade na área cultivada, na produção e no preço, mesmo assim são incontáveis os produtores que fazem jus ao vinho identitário do Piemonte, incluindo produtores de prestígio. A prova que o Dolcetto não perdeu seu título, é o festival 'Dolcetto Summer Fest’ que aconteceu no dia 8 de Julho em Rodello com a presença de produtores de Dolcetto D’Alba, Dolcetto di Diano d’Alba, Dogliani, Ovada, Dolcetto D’Acqui e Monferrato, essa foi a primeira edição da celebração do vinho e da tradição gastronômica daquela região. 

Porém, chegar em Rodello de carro saindo de Roma, é como viajar para o exterior, são no mínimo 8 horas de carro, dificultando quem se locomove apenas com o objetivo de participar de um evento na Langa. De trem você vai até Torino e dalí pega outro trem voltando para Alba, nisso se vão mais de 6 horas. Para chegar em Rodello você precisaria alugar um carro, ou pegar um ônibus local, sem contar que a viagem sairia bem salgada. Com a restrição de transporte público dentro da Langa, ’Dolcetto Summer Fest’ fica nos sonhos ou no conforto de nossas taças em casa. 

Então fiquem aqui com o Dolcetto D’Alba de Sandrone, das altas colinas de Barolo de solo de calcário. Sandrone produz o seu Dolcetto com fermentação espontânea, sem filtração. As uvas de cada lote em Monforte D’Alba e Novello são vinificadas separadamente e com os melhores é feito um assemblage, de acordo com a tradição da Langa. Todo o processo acontece em tanques de aço, sem o utilizo de barris ou barricas, resultando um teor alcoólico de 13%, é vinificado em pureza, como a maioria dos Dolcettos. O típico gosto residual amargo que lembra amêndoas do Dolcetto D’Alba de Sandrone vem junto às quase inesperadas especiarias. Sandrone é uma das vinícolas que faz a diferença.

Apesar da rica tradição, costumes e características desse vinho de colina, o Dolcetto não é muito difuso no Brasil, com poucos produtores disponíveis, restringindo as opções na hora da escolha e preços não muito atraentes chegando a ser encontrado seis vezes mais caro que na Itália. Esse vinho do cotidiano é rico em antocianina, em regra geral é feito para ser consumido jovem, apresenta perfume de frutas vermelhas e pretas, alguns com toques florais, de especiarias, folha seca, baunilha e leve amargor. É pouco ácido, mediamente tânico e delicado, aveludado e harmonioso, pode ser degustado com uma ampla variedade de pratos ou sozinho. Há muitas qualidades para ser um sucesso no Brasil, país de culinária rica, com influências de todo o mundo.

O antigo vinho do 'pintone' é o mais consumido tradicionalmente no Piemonte, o vinho da amizade, fácil e importante, perto ou longe da refeições, acompanha todos os pratos em casa, restaurantes e celebrações, é para o dia e a noite, simples, prático, versátil, uma garantia. Na Itália, vinho democrático, no Brasil ainda o esperamos nas prateleiras enquanto estiver enraizado nas colinas mais altas.


29/10/2023

Isabelle Tabacchi

sottospiritus@gmail.com